JURISPRUDÊNCIA – Administradores Judiciais informados

Jurisprudência recente atinente a diversos assuntos relativos à Atividade de Administrador Judicial:

  • Acórdão TRL de 13/09/2024, proferido no processo nº 17285/21.1T8SNT-A.L1-1

“I – A diminuição patrimonial especificamente prevista pelo fundamento de qualificação da insolvência previsto pela al. a) do nº 2 do art.º 186º do CIRE distingue-se da diminuição patrimonial implícita à previsão da al. d) da mesma norma porque, diversamente do que aqui sucede, aquela pressupõe ou reporta a uma ação física sobre os bens, no sentido de diminuir o seu valor comercial (destruído ou danificado), de os tornar imprestáveis ou inoperacionais para o fim a que tendem (inutilizado), ou, através da não revelação do seu paradeiro ou da sua colocação em paradeiro desconhecido ou local geográfica ou espacialmente inacessível à sua apreensão, de os subtrair à possibilidade de serem localizados e/ou fisicamente apreendidos para ingressarem na disponibilidade fáctica do AI, do processo de insolvência e da liquidação que nele se cumpra (ocultado ou feito desaparecer).

II  – A venda da totalidade dos bens do devedor em situação de insolvência (atual ou iminente) consubstancia ato prejudicial ao património da devedora e ao coletivo dos seus credores, independentemente do preço atribuído aos bens e de este ter sido ou não pago à vendedora, porque dela resulta diminuição do ativo da devedora e consequente diminuição do valor da massa insolvente e agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência na medida do valor daqueles bens que, por efeito da venda, deixaram de existir na esfera patrimonial da insolvente.

III – A suspensão do dever de apresentação à insolvência prevista pelo art.º 7º, nº 6, al. a) da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03, introduzido pela Lei nº 4-A/2020 com efeitos retroativos a 09.03.2020, não significa proibição de apresentação nem se traduz na concessão de ‘carta branca’ aos devedores insolventes para liquidação ad hoc dos seus bens e, por outro lado, pressupõe a viabilidade e o propósito de dar oportuna continuidade à empresa, propósito que é contrariado pela venda do imobilizado afeto e necessário à exploração do respetivo objeto social.

IV – A par com a vertente preventiva de proteção do património de terceiros e do comércio, as medidas inibitórias previstas pelas als. b) e c) do nº 2 do art.º 189º do CIRE têm dimensão punitiva pelo que, por natureza e imperativo constitucional, a determinação, em cada caso, do ‘quantum punitivo’, “deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal.”.

V – A responsabilização civil dos afetados pela qualificação exige a verificação dos pressupostos gerais do instituto da responsabilidade civil previstos pelo art.º 483º do Código Civil – sempre que os danos sofridos em concreto pelo lesado constituam consequência adequada de um facto voluntário, ilícito e subjetivamente imputável ao lesante a título de culpa, residindo a causa da deslocação do dano da esfera jurídica do prejudicado para o lesante justamente num juízo de censurabilidade que, para além da natureza essencialmente reparadora, atribui natureza sancionatória ao instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos.

VI – A qualificação da insolvência como culposa pressupõe sempre a causalidade (provada ou presumida) entre a conduta e a criação ou o agravamento da insolvência, sendo esta a “causalidade fundamentadora” da responsabilidade civil; a responsabilização civil dos sujeitos afetados pressupõe a verificação da causalidade entre a conduta e os danos, sendo esta a “causalidade preenchedora” da responsabilidade civil.

VII – Concedendo que a afetação pela qualificação da insolvência contém em si mesma a demonstração e verificação da ilicitude do facto fundamento da qualificação, bem como do juízo de censurabilidade que pelo mesmo é passível de ser dirigido ao afetado, no caso o nexo de causalidade entre o ato de disposição de bens que fundamentou a qualificação da insolvência como culposa e o prejuízo sofrido pelos credores da insolvência resulta verificado na medida dos créditos que no âmbito da insolvência seriam pagos pelo valor daqueles bens.”

https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/5da560277d0abb0c80258b9d003f3f80?OpenDocument